segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

BRAVO, RICARDO!



Ricardo estava feliz. Comprara um apartamento na zona norte do Rio de Janeiro e fora um dos primeiros a habitar o condomínio. A unidade, situada no segundo andar de fundos do terceiro bloco de um prédio sem pilotis, dispunha de dois quartos, sala, cozinha, banheiro social, área de serviço e uma pequena sacada, de onde é possível contemplar o pôr do sol (na zona norte, é lindo).



Apesar do recente divórcio, Ricardo não teve dificuldades em sua readaptação à vida de solteiro e, desde que se instalara em seu novo lar, permitia-se a prática de algo que jamais fizera enquanto casado: andar despido em casa. Mal chegava do trabalho, à noite, livrava-se do terno; relaxava por uns dez minutos sob a ducha morna e metia-se num roupão atoalhado. Mas logo se livrava também deste e circulava peladão pelo apartamento! Dessa forma, ele acreditava gozar da mesma sensação de leveza experimentada pelo primeiro homem a habitar o mundo. Até que...



Em certo fim de tarde, uma senhora e seu cachorrinho pinscher estavam a passear sob a sacada de Ricardo, quando ela, distraída pelo voo de um passarinho, estacionou a mirada justo no segundo andar. E deparou com o vizinho na sala. Pelado. Ele, que não percebera a indiscrição da madame, cantarolava na maior tranquilidade, enquanto seguia nos afazeres domésticos.



Ainda que tenha levado um tempo para recuperar-se do que acabara de ver (!?), a tal senhora não tardou em consignar reclamação no livro do condomínio. Quando o assunto veio à baila, na reunião de condôminos, Ricardo protestou:



- Isso é um absurdo! Vocês pensam o quê? Que sou um exibicionista barato?! Eu tenho direito a ficar pelado naqueles 50m² que me pertencem! O problema é de quem fica sob a minha sacada, a bisbilhotar o que não deve!



Foi uma gargalhada geral. Os condôminos caíram na pele da pobre senhora por considerarem que o assunto não devesse constar no livro de reclamações. Chamaram-na de pudica, mal amada, carola, sem macho e tudo o mais. O repertório variado só ampliava a voltagem da situação. Jarbas, que era o síndico da vez, segurou o riso por baixo do farto bigode, fingindo seriedade, para não constranger a madame. E perguntou a Ricardo se ele tinha o hábito de ficar pelado na sacada.



- Na sacada?! Nunca! Eu só o faço da porta da sacada para dentro! - garantiu o reclamado.

- Certo... certo, Sr. Ricardo, mas diga-me uma coisa: em casa, você faz tudo pelado, pelado mesmo?

- Peladinho da silva!

- Mas... com as cortinas abertas?!

- Parcialmente abertas, para não prejudicar a ventilação, que fique claro! E qual o problema? Estou em meu apartamento!!! - retrucou Ricardo.



Ele, que para 52 de idade era bem conservado e de porte razoavelmente atlético, chegou a ouvir de algumas vizinhas um "aí, Ricardão!" e, de outras, aquele "fiu-fiu!" comprido que lhe massagearam o ego.



Enquanto rolava a algazarra, alguns, dentre os espectadores que ali se divertiam com a inédita discussão, telefonavam de seus celulares para os parentes, insistindo para que descessem ao salão de eventos e não perdessem aquele barraco digno de humorístico de TV.



Mas a apoteose do bafafá foi quando Jarbas perguntou à senhorinha o que aconteceu logo em seguida:



- Eu, eu... - gaguejou a tal.

- "Eu, eu...", o quê? - pressionou o síndico.

- Eu... fiquei paralisada, pois jamais vi tamanho absurdo!

- Mas o que a senhora viu de tão absurdo, a ponto de deixá-la... hã, "paralisada"?

- Aquilo... - respondeu ela, cheia de pudor.

- Aquilo o quê? O penduricalho do Sr. Ricardo? - arrematou Jarbas.



Foi um carnaval. Ricardo, às gargalhadas, foi acompanhado em uníssono pela plateia. O que era drama para a minúscula senhora não passava de comédia para os vizinhos. Ela, a essa altura, já procurava um buraco onde pudesse enfiar a cara.



- Fiquei em estado de choque! - protestou, num arroubo quixotesco. - Como eu poderia mover-me? Nunca vi algo assim, em toda a minha vida!



- Então esse é o problema! - cochichou um dos espectadores para a esposa, ao lado. - Ela nunca vira aquilo! - E ambos riram.



É claro que de nada valeram os protestos da madame. Houve até quem acreditasse que ela estava mais curiosa que indignada. E foi por aí que Jarbas insinuou:



- Mas a senhora, digamos, não teria permanecido sob a sacada do Sr. Ricardo por outra razão?

- Como assim?

- Talvez a senhora tivesse prolongado um bocadinho a sua permanência para ver algo com... maior clareza, já que estava tentando entender a situação.

- Mas que impertinência!!! Eu só estava de olho num passarinho! - disse a madame, sem maldade.



Mas a turma não perdoou, afinal não ficou claro a que passarinho ela estava se referindo. A balbúrdia, óbvio, potencializou e Jarbas, ao lembrar que a indignada era solteirona, emendou:



- Aposto que sim! - disse, dando uma piscadela para Ricardo. Ainda assim, o síndico não sossegou:



- Sabe, madame... a senhora poderia ter corrido, gritado, surtado, desmaiado, qualquer coisa, já que estava apavorada!



- É que... é que... - gaguejou, mais uma vez, a já trêmula senhora.



- "É que... é que...", já entendi, madame! Está encerrada a reunião! - decretou o síndico.



A coitada, jururu que só, deixou o salão de eventos sob uma chuva de gargalhadas e provocações dos vizinhos. Nunca dantes na história daquele condomínio houve outra reunião como aquela!



Bem, o tempo passou, a vida seguiu seu curso, como haveria de ser, e a tal senhora (que nunca mais deu as caras em outra reunião do condomínio) deixou de levar seu cachorrinho para passear sob a sacada de Ricardo que, a propósito, segue circulando peladão em seu apartamento. É pelo seguinte: Jarbas, que era um sacana de primeira, levara o tema à votação daquela plateia inflamada (após a madame deixar o recinto, claro) e, uma vez aprovado por esmagadora maioria e devidamente consignado em ata, deliberou-se que ficar pelado em próprio domínio não configurava prática atentatória à moral e aos bons costumes. Tudo resolvido e todos felizes naquele conjunto habitacional (menos a jururu senhora, claro).



O único "porém" é que, desde a controversa reunião, a plateia feminina sob a sacada do agora famoso vizinho do bloco três vem aumentando de forma considerável. Bravo, Ricardo!

(de Francisco Filardi, finalizado em 19.12.2016)

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