segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

"ROLETA RUSSA", DE FRANCISCO FILARDI




 
Marcolino tinha trinta e oito anos. Era pobre, bem humorado e bom de coração. Era o terceiro dos cinco filhos de seu Nelson e de dona Joaninha. Morava num barraco, no centro da cidade, e desde menino trabalhava para ajudar no sustento da família. Seu pai era pedreiro; já a mãe, costurava para as senhorinhas de Copacabana. Não frequentara escola. Da mesma forma que seus pais, e outros tantos milhões de brasileiros, Marcolino engrossava a estatística dos que não aprenderam a ler.

Jamais tivera emprego fixo. Fora ajudante de pedreiro (por intermédio do pai), ajudante de caminhoneiro, engraxate, carregador, entregador de pizza e até catador de lixo. Fazia um servicinho aqui e ali, mas nada que durasse o bastante para fazê-lo pensar no futuro. Não faz muito, arranjou um “bico” como entregador de marmitas, na pensão da dona Celeste, viúva do velho Fagundes, festejado comerciante local. Passara a trabalhar perto de casa e descobrira, não longe dali, um prédio em construção, num terreno que permanecera anos abandonado. Foi lá, em meio a peões famintos, onde Marcolino fizera sua clientela.

Não era de muitos amigos. Mantinha-os, até, a certa distância. Ainda assim, não passara despercebido dos boas praças Antônio Carlos e Ananias o estranho vício com que atormentava a vizinhança: Marcolino tinha verdadeiro fascínio por botões. Não, ele não jogava futebol de botões com seu avô. Ele apertava botões. Não, ele também não se dedicava à costura, a exemplo da mãe. Na verdade, ele não podia deparar com botões de elevadores (os porteiros dos condomínios costumavam expulsá-lo das intermináveis “viagens”...), de alarmes (enlouquecia os atendentes da polícia e do Corpo de Bombeiros), interfones, telefones públicos, campainhas das casas próximas (uma confusão daquelas), até descargas em banheiros de centros comerciais! E não dava a mínima para a cor dos botões. Azuis, vermelhos, verdes, alaranjados, não faziam diferença. Todo botão que pudesse ser pressionado dava uma coceirinha na vontade (e nos dedos) de Marcolino.

Certo dia, ia deixando o terreno da construção, após entregar as marmitas, quando avistou uma mesa de jogo improvisada, com as cartas ainda espalhadas. Concluiu que o jogo fora interrompido pelo término do horário de almoço da peãozada. E foi lá bisbilhotar. Reconhecera as cartas, embora não identificasse o tipo de jogo que divertira os rapazes da obra. Foi quando os olhinhos de Marcolino brilharam. Sobre a mesa abandonada, encontrou um objeto em formato retangular, pouco maior que seu radinho de pilhas, tendo um botão cinza ao centro. Não teve dúvida: tomou o objeto nas mãos e apertou o botão. Era um detonador.

finalizado a 21.12.2015

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